quinta-feira, dezembro 23, 2004

O Feiticeiro de Oz resolve a questão do aborto

A quadra natalícia leva-nos sempre a lugares desconhecidos, profundidades anímicas onde se travam violentos combates. Normalmente, o rumor que desses conflitos chega à superfície não ultrapassa o do bater de asas de uma mariposa. Mas não assim, não no Natal… Está um gajo no Toys ‘R Us hesitante entre um Action Man e uma Barbie Mermaid quando é atingido subitamente, sem aviso, vindo sabe-se lá de onde, qual cometa que, cruzando as esferas, vai cair na baixa de Beijing entre a Zara e a Caixa Geral de Depósitos, matando mais de meio milhão de chineses (não tenho nada contra os chineses) e um cão, pelo absurdo da situação (“Qual absurdo?”, podem perguntar. Ou “Qual situação?” Mas a resposta a essas perguntas reside no íntimo de cada um.). Foi no momento em que estava a marcar o código
- A Barbie é para embrulhar?
- Não, não é preciso. Quero dizer, sim! É para a minha sobrinha, sabe? Eu não brinco com bonecas, se é isso que está a insinuar.
foi nesse momento que resolvi dar algum significado à minha existência, algo de que a minha família e amigos se possam orgulhar
- Quarenta anos e brinca com bonecas, mas, tirando o ódio aos chineses, é bom tipo.
foi nesse momento que resolvi criar esta rubrica, “Feiticeiro de Oz”*, em que pretendo solucionar semanalmente (quem já conhecer decentemente o blog, sabe que a expressão “pretendo fazer isto semanalmente” = “talvez escreva outro texto daqui a seis meses”) um problema da humanidade. E por mais humilde que isto pareça, acredito que, se cada um fizer um pequeno esforço desse tipo, talvez amanhã os nossos bastardos tenham um mundo melhor.

Esta primeira proposta do “Feiticeiro” foi especialmente inspirada no espírito de generosidade que caracteriza o Natal. A questão do aborto já tem vindo a dividir a sociedade há demasiado tempo. De um lado temos os defensores do “direito à vida”. Pedi a uma das principais representantes, a irmã Lúcia Fonseca, da Ordem das Rapadinhas, que nos explicasse o seu ponto de vista:
“Não se pode chacinar inocentes, pelo menos antes da primeira comunhão. Essas lambisgóias não se dão respeito e depois, claro, não gostam de levar com as consequências da mesma forma que gostam de levar com ele todo lá dentro… todo…”
Enigmáticas palavras. Depois disto, a irmã Lúcia entrou em transe místico e deu entrada nas Urgências do Hospital dos Covões.
Por seu turno, a representante do direito à escolha, Gina “Lambona” (tlm.935006372. Máxima discrição. Só para cavalheiros.), residente da Baixa de Coimbra, estudante de Português -Espanhol, argumenta:
"Esta cena, a lei não só é estupida como não dá geito nenhum, meu. Quem é que vai tomar conta do raio do puto quando eu for pá naite, ã? E quem é que vai dizer aos meus pais? Eles não pensam nisso porque não lhes com vem. Quando uma pessoa está a dar uma na casa de banho do Dêdê (Centro Cultural D. Dinis), tem lá tempo de pensar em persevativos. Eles deviam resolver estes probelemas reais em vez de fujir com o rabo à seringa. Eu nunca fujo, pelo menos. Além disso, se o puto nem nasceu, como é que pode ser crime? Até parece que alguém vai sentir falta del.”
Lamentavelmente sic…
Cansado destas disputas intermináveis, fiz um esforço de síntese criativa (whatever that means), e creio ter encontrado a solução. Porque não considerar o aborto cirurgia estética? Mais vale admiti-lo, aquilo é uma espécie de defeito físico. Ao contrário do que a ala feminista mais gronha nos tenta impingir, as grávidas não são lindas. E cheiram mal. Eu não ia para a cama com uma nem que fosse a última mulher na terra (preferia esperar para ver se era menino ou menina). E mesmo que a hipocrisia da nossa sociedade não permita a aprovação oficial de uma lei assim, nunca ninguém notaria. Reparem:

Corporação Dermoestética

- manicure
- liftings
- depilação a laser
- remoção de todas as protuberâncias indesejáveis

Não precisam de me agradecer.
Votos de um santo Natal.

Buck Naked, por um amanhã melhor

Proximamente em “Feiticeiro de Oz”: Ulisses de Joyce ou as 18 variedades de Onanismo

* Feiticeiro de Oz é o nick do meu fornecedor que tem o seu estabelecimento comercial no Casal Ventoso. É a minha forma de homenagear quem me tem proporcionado horas de perfeita felicidade ao longo da última década (por uma módica quantia).